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[LEIA JÁ] As implicações ambientais dos militares para a construção da Escola de Sargentos do Exército

 

Apesar da confirmação da Escola de Sargentos do Exército, ainda não existe uma proposta de compensação ambiental

Rachel Andrade

maio 1, 2024 - 5:21 pm

As implicações ambientais dos militares para a construção da Escola de Sargentos do Exército

Projeto da planta da ESE, que deverá ser construída em Aldeia. Imagem: Cortesia/Exército Brasileiro

A Escola de Sargentos do Exército (ESE), que será construída em Aldeia, no município de Paudalho, na borda da Região Metropolitana do Recife (RMR), vem dando o que falar, antes mesmo do início de suas obras. Suas dimensões totalizam cerca de 144 hectares, equivalente a pouco mais de 200 campos de futebol. No entanto, 94 hectares estão localizados dentro de uma Unidade de Conservação (UC), a Área de Preservação Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe.  

A ESE fará parte do Centro de Instrução Militar Newton Cavalcanti (CIMNC), que pertence ao Exército Brasileiro desde 1944. Dentro da região, além de vegetação secundária, há também rios e riachos que afluem para a barragem de Botafogo. A barragem abastece as torneiras de municípios da Região Metropolitana de Recife, principalmente nas cidades de Igarassu e Abreu e Lima. 

A Escola de Sargentos do Exército e a fauna local 

Além disso, a área protegida é moradia de diversas espécies de animais, em sua maioria de aves e répteis. É o que explica Rodrigo José, com quem o LeiaJá conversou para compreender as dinâmicas da fauna na região da APA Aldeia-Beberibe. Rodrigo é estudante do curso de Ciências Biológicas pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). O jovem também atua no Laboratório Interdisciplinar de Anfíbios e Répteis da UFRPE e é um dos coordenadores do projeto Surucucus de Pernambuco. 

Apesar da confirmação da Escola de Sargentos do Exército, ainda não existe uma proposta de compensação ambiental
Rodrigo José, estudante de Ciências Biológicas. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

Uma de suas principais atividades na região é o resgate de animais silvestres. “É uma realidade que eu me deparei porque, quando eu vim morar aqui, eu vi que muitos animais silvestres apareciam nas casas e não existia nenhum tipo de brigada ambiental, nenhum órgão que possa fazer essa retirada desse animal de dentro dessa casa. Então, eu me propus a fazer. E é uma realidade muito triste porque é uma quantidade muito grande de animais”, relata. 

Dentre os animais que Rodrigo resgata está a surucucu pico-de-jaca, que vem aparecendo em grande quantidade nas áreas habitadas de Aldeia. Por ser um animal peçonhento, é comum que a população tenha medo. O mais comum, portanto, é que uma pessoa se machuque tentando se livrar do animal, causando sua morte. 

“Além da serpente, vamos ter diversos tipos de animais silvestres que vão ocorrer na nossa área. De registros, temos a jaguatirica, temos o gato mourisco, o caxinguelê, que é o nosso raríssimo esquilo. Temos quase 300 espécies de pássaros, é o maior registro de pássaros no estado de Pernambuco”, lista. 

O mapeamento dos animais, de acordo com Rodrigo, acontece a partir de diversos estudos. Um deles, por exemplo, se baseou na avaliação de corredores ecológicos. O cruzamento dos dados se baseia também com os relatórios do plano de manejo do Ministério do Meio Ambiente. Ele ainda comenta que é possível localizar registros de fauna em estudos acadêmicos da UFRPE e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

O que diz o Exército 

A perspectiva do futuro das espécies da região, no entanto, é incerta devido à ESE, cuja construção tem previsão de início em 2027. Apesar de pertencer ao Exército Brasileiro, a APA Aldeia-Beberibe é uma criação do governo estadual, de 2010, enquanto Unidade de Conservação. 

A reportagem conversou com o Coronel Helder, assessor de meio ambiente do Comando Militar do Nordeste (CMNE), e gerente do projeto de contrapartida do governo do estado para a construção da ESE, para entender o que está no radar dos órgãos responsáveis pelas obras atualmente. De acordo com o coronel, a área do CIMNC não concentra mata primária, e sim mata secundária de recuperação ambiental. 

Apesar da confirmação da Escola de Sargentos do Exército, ainda não existe uma proposta de compensação ambiental
Coronel Helder. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

“O CIMNC era cana-de-açúcar e pasto. Naturalmente, nós não tínhamos lá espécies protegidas, nem espécies que eram soltas lá. Há mais de dez anos, o CIMNC é um local onde os órgãos ambientais soltam os animais que são capturados em algum local não adequado. (…) Então, hoje, é claro que temos animais no CIMNC”, explica. 

“Agora o processo de supressão vegetal segue todas as normas. Por exemplo, de afugentamento de fauna. Ou seja, captura da fauna, cercamento, um tratamento adequado para que não haja, por exemplo, morte de animais. Para que seja feito o processo sem o impacto que um evento dessa natureza possa gerar”, declara o coronel. 

Ambientalistas alertam sobre os riscos da fragmentação 

O processo, no entanto, é prejudicial. É o que explica Gabriel Lima, bacharel em Ciências Biológicas pela UFPE e mestrando em Biodiversidade pela UFRPE. “Quando você deixa um fragmento isolado, os animais que estão ali não conseguem transitar, e eles vão se reproduzir apenas entre si. 

Apesar da confirmação da Escola de Sargentos do Exército, ainda não existe uma proposta de compensação ambiental
Gabriel Lima, biólogo. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

“É aquela mesma máxima quando você pensa aquelas linhagens de reis e rainhas, imperadores, em que eles se casavam entre primos, irmãos, e tinham doenças que aconteciam frequentemente na linhagem porque eles estão o tempo todo se casando entre si. 

“Então, com os animais, isso é semelhante. Eles precisam ter o que a gente chama de variabilidade genética. Que é o quê? Eles conseguirem se reproduzir com animais de fragmentos diferentes”, exemplifica o biólogo. 

“Isso vai permitir que eles consigam enfrentar também toda essa questão das mudanças climáticas, que vão afetar eles também”, complementou. 

Proposta de compensação ambiental ainda não foi entregue 

Apesar de saber dos comprometimentos ambientais que deve firmar para a realização das obras, o Exército afirmou que ainda não possui um plano completo da proposta de compensação ambiental. O documento é necessário, como uma espécie de contrapartida pela área que sofrerá supressão vegetal dentro da APA. De acordo com o coronel Helder, as tramitações acontecem junto ao Ibama. 

“Estamos na fase de preparação, aguardando o termo de referência do Ibama. Ou seja, nós já tivemos um diálogo com o Ibama, passamos qual será a área da escola, é o trâmite normal. Foi apresentado ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, em Brasília, e eles estão elaborando o termo de referência. A partir do termo de referência é que os projetos irão se encaixar nessa dinâmica, de trazer melhor qualidade para aquela região”, disse. 

O Ibama, portanto, só apresentará a autorização de supressão vegetal após a elaboração do plano, que, por sua vez, só pode acontecer depois que o próprio Ibama enviar o termo de referência. 

A reportagem chegou a procurar o Ibama para saber qual o posicionamento oficial em relação ao projeto da ESE. O órgão informou apenas que o tema “está sendo discutido internamente no Instituto para posterior manifestação institucional”. 

Entenda o projeto da Escola de Sargentos do Exército 

Os debates acerca da escolha da Escola de Sargentos do Exército na RMR acontecem desde 2021, quando houve a confirmação de Pernambuco para sediar o espaço de formação. Ainda em 2023 houve discussões e estudos sobre o local, justamente por se tratar de uma APA. O grupo de trabalho organizado pelo governo do estado contou com a participação de acadêmicos, instituições responsáveis pela preservação ambiental, e a sociedade civil. O Fórum Socioambiental de Aldeia também participou dos debates. 

Após a escolha da localidade da ESE, órgãos ambientalistas argumentaram contra a proposta, e chegaram a apresentar outras sugestões de instalação. O general Moreno, assessor de gestão de projetos estratégicos do CMNE, e gerente regional do sub-programa Escola de Sargentos do Exército, explicou à reportagem as razões pelas quais as sugestões não foram aceitas. “Todas as áreas apresentadas pelo terceiro setor fugiam de alguma premissa da construção do programa”, disse. 

Apesar da confirmação da Escola de Sargentos do Exército, ainda não existe uma proposta de compensação ambiental
General Moreno. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

A princípio, uma das áreas sugeridas, segundo o general, era ao lado da região metropolitana do município de Araçoiaba. “Aquela região, nós precisamos deixar do estado que ela está hoje, que é uma área desmatada, para que possamos realizar as atividades com os blindados e atividades de acampamento. Já que nós teremos formação de sargento de cavalaria, nós precisamos de áreas livres de vegetação para desenvolver o adestramento dos nossos alunos de cavalaria e infantaria mecanizada”, argumentou. 

Apesar da confirmação da Escola de Sargentos do Exército, ainda não existe uma proposta de compensação ambiental
Sugestão de mudança de localidade proposta pelo Fórum Socioambiental de Aldeia. Imagem: Cortesia

Outra explicação se deu pelo fato de que as demais áreas apresentadas também não eram compatíveis com os critérios do Exército, devido à distância das Vilas Militares ao acesso à RMR. “Imagine se seu aluno ou sua aluna do ensino médio ou do ensino fundamental que tivesse que andar cerca de duas horas por dia para ir à escola e retornar. Isso tornaria inviável a vida dos familiares dos nossos instrutores e monitores”, explicou. 

Governo do estado fará desapropriação de área externa 

O plano inicial do Exército era construir toda a ESE dentro da APA Aldeia-Beberibe, suprimindo uma área de vegetação de 144 hectares. Com os debates do grupo de trabalho, no entanto, o terreno passou para 94 hectares. As demais extensões territoriais, destinadas às Vilas Militares, terão lugar na estrada de Mussurepe, em uma área que, atualmente, pertence ao estado de Pernambuco.

Apesar da confirmação da Escola de Sargentos do Exército, ainda não existe uma proposta de compensação ambiental
Projeto da Escola de Sargentos do Exército. Foto: Cortesia/Exército Brasileiro

De acordo com o general Moreno, os hectares fora da APA passarão por um processo de desapropriação do governo estadual. Desse

modo, a gestão fará a transferência de domínio para o Exército Brasileiro em tempo hábil para que sejam construídas as moradias dos instrutores e alunos do programa de formação. 

No entanto, ainda não houve divulgação oficial do plano de desapropriação dos terrenos, nem em forma de decreto nem por meio do Diário Oficial do Estado. 

FONTE: LEIA JÁ: https://www.leiaja.com/noticias/2024/05/01/as-implicacoes-ambientais-da-...