Por Julianne Mendonça e Tarisson Nawa
Lírio, Girassol, Flor de mel, Rosa, Flor de Maracujá, assim se auto nomearam Sônia Maria, Eliane da Silva, Elizangela Marinho, Maria Iraneide e Alice Gouveia; à professora da UFRPE, Renata Sousa, o grupo de mulheres atribuiu o nome de Bastão imperial. Juntas, elas dão vida ao Projeto de Extensão Apicultura e Mulheres: uma doce produção. A ideia da ação surgiu em 2016, de um desejo da professora Renata, ao encontrar agricultoras familiares queriam trabalhar com abelhas, uma atividade que não exige muitos recursos para iniciar, mas que possui retorno rápido.
No início de 2018, Renata conheceu as Agroflores, um grupo de mulheres que foram retiradas do local onde moravam há mais de 30 anos, em Suape, e foram realocadas para o Assentamento de Ximenes, em Barreiros. “Mais de cem famílias foram transferidas para um local que não tinha estruturas, sem energia, nenhuma infraestrutura adequada. Eu fiquei muito sensibilizada com a história delas, são mulheres valentes e guerreiras que viviam numa terra de solo produtivo e acabaram indo morar em terras cansadas, degradadas, devido ao cultivo da cana. Elas tinham vontade de trabalhar e só faltava a oportunidade, então juntamos a vontade de trabalhar com a oportunidade de trabalho”, explica a professora.
O grupo de mulheres já tinha implantado o Sistema Agroflorestal (SAF), um sistema de cultivo de plantas sem agrotóxicos com culturas de produção diferentes, em parceria com o Instituo Federal de Pernambuco (IFPE). Vários problemas climáticos interferiram na produção do grupo, que se viu sem saídas, até conhecer a Apicultura.
Através de reunião na associação do assentamento e com o apoio de Manoel Brito, um dos apicultores da região, que já mantinha vínculos com a UFRPE, as Agroflores conheceram as atividades desenvolvidas pela Universidade e deram início a um novo ciclo. “Essas mulheres estavam em vulnerabilidade social. Conhecendo a situação delas, sugerimos a produção do mel, que é bem aceito, vende bem e não estraga fácil, dura até dois anos se preservado. Caso não venda, pode ficar para consumo próprio, é um alimento saudável. E foi daí que elas escolheram conhecer e trabalhar com apicultura”, explica a professora e orientadora do projeto, Renata Sousa.
A apicultura é uma técnica desenvolvida na criação de abelhas com ferrão para o cultivo do mel, própolis e diversos outros produtos. De acordo com a professora Renata Sousa, não existe meio termo na realização da atividade, é preciso conhecer os tipos de abelhas, as possibilidades, mostrar a produção, o manejo, como se forma a colônia. Para dar início às atividades, as Agroflores de Ximenes passaram por um estudo intensivo para conhecer as especificidades da área, para só a partir de setembro de 2018 dá início a implantação do primeiro apiário.
Com cerca de nove meses de projeto, o grupo de mulheres já consegue desenvolver um sistema de economia criativa dentro do local em que vivem. Durante esse tempo, já foram realizadas duas colheitas de mel, o que possibilitou a criação de produtos variados para o consumo alimentício, promoveu a geração de renda e a autonomia para o grupo desenvolver novas técnicas de produção, vendas e novas experiências. A apicultura passou a garantir o sustento dessas mulheres. “A professora nos ensinou como trabalhar, como cuidar das abelhas da melhor forma e isso só nos trouxe coisas boas”, explica Sonia, integrante do grupo.
O desenvolvimento das atividades permite ainda que as Agroflores tenham a oportunidade de trocar experiências com grupos de outros assentamentos e municípios, participando de cursos e eventos. Durante a semana de zootecnia da UFRPE, o grupo trouxe parte de seus produtos para serem expostos e oferecidos ao público.
“As meninas estão tendo o produto bem aceito, fazem muito sucesso, porque estão tendo orientação técnica desde o manejo da colônia até a parte de extração e isso resulta na qualidade do produto que vendem, quebramos paradigmas e estamos levando o desenvolvimento local”, conta a professora.
O projeto Mulheres e Apicultura é coordenado pela professora Renata Sousa, do curso de Zootecnia, da UFRPE, e possui dois integrantes do corpo discente, sendo um bolsista e um voluntário.
A força da mulher na apicultura
Debater a participação da mulher dentro da apicultura é trazer à tona um padrão ainda imposto pela sociedade: o de que mulheres não podem trabalhar na área por ser uma atividade em que os homens monopolizam o centro de produção.
Antes de entrarem no projeto de extensão, as Agroflores foram praticamente “impedidas” de trabalhar com abelhas. Um produtor local lhes disse que era uma atividade “muito difícil para mulheres” realizarem. Ao conhecer Manoel Brito e o trabalho que fazia em total parceria com sua esposa e filha, notaram que, sim, era possível mudar, participar e realizar, com excelência, o trabalho com abelhas.
“Muitas vezes pensamos que não íamos conseguir, mas a gente tem um potencial dentro de nós que é desconhecido e quando começamos a botar pra fora notamos a diferença, principalmente quando encontramos alguém que está disposto a nos ajudar, incentivar a descobrir esse potencial que temos para fazer a atividade”, afirma Sônia.
O objetivo do trabalho é integrar e ajudar o grupo de mulheres a entenderem que são elas que vão executar toda a produção, que são capazes, porque embora seja uma atividade ainda presa a uma redoma masculina, essa realidade vem mudando. Se feito um levantamento a participação da mulher nas atividades apícolas, será pontuada uma grande presença feminina no que diz respeito ao cuidado da higienização e retirada do mel, enquanto o homem lida com toda a parte do campo.
“Hoje já conseguimos desmistificar essa divisão completamente e a mulher tem total condição de fazer qualquer atividade, mas não é uma atividade que se faz sozinha, independentemente de ser homem ou mulher. A apicultura é uma atividade que tem que se fazer no mínimo em dois, por conta dos processos de segurança e manejo” explica a professora.
A inserção da mulher na apicultura promove a participação ativa na economia doméstica e coletiva, a inclusão dos parentes e vizinhos na atividade, muda toda uma percepção ambiental e social, pelo fato de ser uma atividade limpa, que não polui, nem desmata, que agrega valores e desenvolve o respeito pela natureza. Hoje, o trabalho com abelhas já despertou o interesse de outros moradores do assentamento Ximenes, graças ao exemplo das Agroflores, de acordo com a Renata Sousa.
Além de compartilhar a tecnologia a quem precisa e fornecer subsídios para o desenvolvimento profissional, pessoal e coletivo, o “Mulheres e Apicultura: uma doce produção” promove questões como a igualdade e o exercício da sororidade, a união entre as mulheres, com base na empatia e no companheirismo.
"Esse projeto trouxe muita riqueza para nós, conhecimento, estrutura, e principalmente empoderamento, sabemos que somos capazes de tudo", afirma Sônia, o lírio.
Mulheres na promoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
A iniciativa das Agroflores de Ximenes supera o retorno financeiro e tem gerado ganhos para a comunidade onde vivem e benefícios para a sociedade. A apicultura protagonizada pelo coletivo está alinhado com 11 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Os ODS são agendas de sustentabilidade da ONU que todas as nações signatárias do protocolo precisam implementar a partir de 2015. Até 2030, as nações precisam ter promovido boa parte desses objetivos, para tornar a vida no planeta melhor. Agroflores Ximenes é exemplo na execução dos ODS.
A professora Renata destaca os Objetivos da ONU alcançados pelas Agroflores. A geração de renda com a comercialização do mel atua para se alcançar o objetivo de Erradicação da pobreza (1). Com o projeto, as abelhas manuseadas atuam também diretamente no processo de polinização das plantas. Fecundadas pelas polinizadoras, as plantas melhoraram a produção familiar, ajudando na erradicação da fome e na promoção da agricultura sustentável.
A saúde também foi impactada. Com o mel das abelhas, as Agroflores podem usar o produto na comida. Além de nutritivo, é bastante saudável - objetivo 3 alcançado. A desmistificação da atuação da mulher na apicultura contribui para promoção da igualdade de gênero (5); incorporação de mão de obra à ação iniciada pelo grupo atinge o oitavo ODS. “quando nos tornamos multiplicadores/polinizadores dessas ideais, promovemos o crescimento econômico de forma digna”, reforça Renata.
Redução das desigualdades (10), cidades e comunidades sustentáveis (11), consumo responsável (12), combate às mudanças climáticas (13), vida sobre a Terra (15) e parcerias pelas metas (17) foram os outros ganhos que os ODS tiveram com a Agroflores Ximenes. E há perspectiva de potencializar cada vez mais os objetivos: “nosso grande desafio é a meta 17, porque nós precisamos de parceiros. O estado, as prefeituras dos municípios, o público-privado precisam estar ativos juntos com a Universidade e a comunidade”, destaca a docente da UFRPE. O grupo espera novas parcerias com a visibilidade das ações das mulheres.